segunda-feira, 27 de junho de 2016




Democracia e Direito

O termo “democracia” que utilizamos hoje para definir o tipo de governo do nosso país, tem sua origem na Antiguidade, mais precisamente na cidade de Atenas, na Grécia Antiga e significa (demo = povo e kracia = governo), ou seja, “governo do povo”. No entanto, o conceito de democracia dos antigos gregos não é o mesmo que se tem nos dias contemporâneos, pois, a democracia ateniense não atendia às necessidades que hoje são consideradas como basilares no processo democrático. O regime democrático amplia o direito à participação na vida política a todos os cidadãos de uma nação. Aliás, o termo “cidadão” é oriundo da palavra “cidadania” do latim“civitas” (cidade) que significa um conjunto de direitos dados a uma pessoa que lhe permite participar da vida e do governo de seu povo. Contudo, a expressão “cidadania”, assim como a democracia, tem seu significado atual diverso daquele utilizado em Atenas. Antes, a cidadania grega era compreendida apenas por direitos políticos, hoje, define-se pelo exercício de vários outros direitos que dão ao ser humano a possibilidade de uma vida digna, como por exemplo, o direito à saúde, à liberdade, à segurança, à educação etc. O presente texto tem como objetivo explanar sobre os principais motivos que levaram à criação e ao desenvolvimento desse importante processo como também suas principais características durante o período clássico.
O surgimento da democracia ateniense.
     Anterior ao século VI a.C., Atenas era administrada por um regime monárquico, porém, uma série de conflitos possibilitou à tomada do poder pelos grandes latifundiários (aristocratas). A aristocracia ligeiramente evolveu para uma oligarquia, pois, os ricos comerciantes também passaram a fazer parte do governo, o que provocou uma enorme instabilidade social. Na tentativa de atenuar os problemas sociais e aspirando por mudanças para que também pudessem participar das decisões políticas, uma classe de novos proprietários de terras e de grandes riquezas, acumuladas a partir do crescimento do comércio marítimo na zona do Mediterrâneo e que não faziam parte da nobreza, romperam o domínio aristocrático e instituíram um novo poder: a tirania. Contudo, as dificuldades sociais não se amenizaram. Por volta de 621 a.C., Drácon, um dos membros das assembleias aristocráticas, recebeu poderes dos atenienses para criar um código de leis escritas - até então eram apenas orais - com a finalidade de por fim nos conflitos sociais. No entanto, essas leis eram insuficientes, pois não contemplavam os problemas sociais e econômicos. Em 594 a.C., por ser um grande conhecedor das leis, Sólon (638 a.C. – 558 a.C.) -  jurista e poeta grego – foi convocado como novo legislador e iniciou uma série de reformas nas estruturas econômica, social e política da cidade ateniense, porém, não obteve grandes resultados com suas inovações.
     Em 508 a.C., Clístenes (565 a.C. - 492 a.C.) realizou uma profunda transformação política que proporcionou aos gregos, independentemente de sua renda, o direito ao voto e ocupação dos mais diversos cargos, dando início ao regime democrático, no qual todos os cidadãos tornaram-se integrantes da Eclésia (Assembleia Popular). Por fim, a democracia é solidificada por Péricles (495/492 a.C. - 429 a.C), após constituir, definitivamente, as condições que viabilizaram a participação dos cidadãos no governo da cidade e, por fim, contribuíram com a melhoria substancial da qualidade de vida, tanto para os que viviam nos campos quanto para os integrantes da polis.
A cidadania na Grécia Clássica.
     A democracia grega era restrita a poucos, apenas os homens nascidos de pais e mães atenienses, adultos, livres e cumpridores de suas obrigações militares eram considerados cidadãos. As mulheres eram inferiorizadas, não sendo consideradas cidadãs, apenas exerciam papéis secundários como o trabalho doméstico e a educação das crianças. As crianças eram consideradas demasiadamente jovens para exercerem a cidadania, sendo, portanto, cidadãs incompletas. Os anciãos, por sua vez, eram dispensados das suas funções cívicas, ou seja, eram cidadãos aposentados. Os estrangeiros, apesar de habitarem na cidade (polis) e usufruírem alguns benefícios, não eram considerados cidadãos. Da mesma forma, os escravos também não eram incluídos no conceito de cidadão. Podemos verificar essa distinção entre os antigos habitantes atenienses nas palavras de Aristóteles quando diz:
Deixando de parte os que se tornam políticos a título excepcional, como aparece com os políticos naturalizados, diremos que nenhum individuo é político só porque habita num determinado lugar, pois, tal como os políticos, também os metecos e os escravos possuem um local para habitar. (...) De tais casos poder-se-á afirmar que são políticos de modo imperfeito, tal como crianças demasiado jovens para se inscrever como político, e os anciãos já dispensados de exercer funções cívicas. Uns e outros podem ser considerados cidadãos de algum modo, mas não no sentido absoluto do termo. (ARISTÓTELES. Política. I, 2, 1275a 05-19, apud, ANZOLIN, 2009).
     Para Aristóteles, ser político, era ser cidadão, e para isto, era necessário ter direitos e não apenas querer tomar parte das decisões políticas da cidade.
     Para Platão, assim como Aristóteles, dentre as condições de opinar sobre os rumos da sociedade estava a de que o cidadão fosse um homem completamente livre, ou melhor, não ter a obrigação de trabalhar para sobreviver, visto que, para ingressar na vida política, o cidadão deveria dedicar-se integralmente a ela. Em suma, “A cidadania era para os gregos um bem inestimável. Para eles a plena realização do homem se fazia na sua participação integral na vida social e política da Cidade-Estado” (Bernardes, 1995, p. 23, Apud, SILVA, 2009). A cidadania era muito importante para um ateniense.  Para eles, nenhum infortúnio podia ser pior do que a restrição dos seus direitos de cidadão.
Peculiaridades da democracia grega.
     Durante o período da Antiguidade Clássica, a democracia grega era exercida de maneira direta. Os cidadãos iam a uma espécie de praça central (Ágora) e discutiam as propostas para o bem estar da polis. Essa assembleia, chamada de Eclésia (ekklesia), era realizada ao menos uma vez por mês e era considerada como “O órgão máximo de poder na democracia ateniense”(SANTOS,2009)Além da Eclésia, havia ainda a Bulé, também conhecida como “Conselho dos Quinhentos”, por ser composta por 50 membros de cada tribo. Esse conselho era responsável, dentre várias outras obrigações, pela elaboração dos projetos de lei para a assembleia, recepcionar as embaixadas e conduzir as celebrações do culto. Outra particularidade da democracia grega era o poder judiciário. Em Atenas, havia dois poderes, o primeiro era composto pelos Arcontes e julgava os crimes religiosos, os homicídios e os de incêndio. No entanto, aqueles que cometiam pequenos delitos eram julgados pelo Tribunal de Heliéia, uma assembleia composta por 6.000 juízes que eram escolhidos através de sorteio a cada ano. Esses juízes, após ouvirem o acusado e a defesa, determinavam o destino do suspeito por meio do voto individual e sigiloso.
     Santos, (2009), atribui o alicerce do processo democrático a três grandes princípios: A Isonomia, que definia a Igualdade de todos os cidadãos perante a lei; a Isegoria, a qual deliberava sobre a Igualdade de todos no falar, liberdade de expressão e a Isocracia, que estabelecia o critério da Igualdade de todos ao poder.  Apesar de estarem vivenciando uma nova forma de governo, grande parte dos cidadãos gregos não exerciam seus direitos, pois, de acordo com Pedro Paulo Funari
Em 431 a.C. havia cerca de 42 mil cidadãos com direito a comparecer à assembléia, mas a praça de reuniões não comportava esse número de homens. As reuniões podiam ocorrer na praça do mercado, a Ágora, quando o número de homens presentes fosse muito grande. Normalmente, reunia-se em uma colina, na praça Pnix, em uma superfície de seis mil metros quadrados, com capacidade para até 25 mil pessoas. Assim, embora houvesse 42 mil cidadãos, nunca mais do que 25 mil votavam e, em geral, muito menos pessoas tomavam parte na democracia direta. (FUNARI, 2002).
     A inclusão na vida política era restrita a 10% dos habitantes da polisateniense, no entanto, mesmo com tais limitações, a democracia da Antiga Grécia foi o modelo administrativo que concedeu mais direitos políticos ao indivíduo.
Da democracia Clássica à contemporânea.
     Podemos observar que a democracia foi solidificada através de um processo histórico que se deu através das experiências governamentais ocorridas em Atenas e arraigadas por toda a Grécia, e que consistia em uma forma de poder em que o povo – embora esse direito fosse restrito a poucos - era o responsável direto pelas decisões políticas, sociais e econômicas de toda a coletividade. No entanto, a democracia da cidade ateniense de Platão e Aristóteles se difere bastante da que vivemos nos dias atuais, pois, com o passar dos tempos, a organização social se tornava cada vez mais complicada, tendo em vista o aumento populacional e uma série de outros fatores que inviabilizavam a democracia direta, obrigando assim, à busca por métodos mais eficientes que pudessem atender aos anseios da sociedade. Hoje, a democracia é exercida de forma indireta, ou seja, as propostas são elaboradas, discutidas e decididas por um pequeno grupo de pessoas, que, por sua vez, são escolhidas através do voto, pelo povo, como seu representante. Além disso, notamos que no regime democrático atual, diferentemente do grego, as mulheres possuem os mesmos direitos políticos que os homens, e os estrangeiros, que se tornam naturalizados, também são considerados cidadãos, possuindo todos os direitos e deveres do cidadão nato. Porém, vale ressaltar que tais mudanças não foram fáceis nem rápidas de serem conquistadas. Isto se deu através de um árduo processo histórico caracterizado por constantes lutas por direitos sociais e políticos, nas quais,muitas barreiras foram ultrapassadas e vencidas para permitir que cada indivíduo, integrante de uma coletividade, exerça seu direito à participação política em seu país, exercendo, por fim, o seu papel de ‘’cidadão’’

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